Área particular. Mantenha-se afastado!

Era uma vez um Dominador nada louco que fundiu a fantasia com a verdade e aqui vem contar algumas de suas disparidades.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Dom Demétrius e Jezebel - A insubmissa [Parte 002]

Dom Demétrius e Jezebel - A insubmissa

Saíram de São Salvador, a cidade dos Orixás, passaram por Lauro de Freitas e logo Sauípe, e suas praias, um presente aos olhos.
No caminho ela ainda pensou em pedir para parar em shoppings, lojas e similares para comprar algo, mas optou por calar. Aquele Senhor era astuto e se precisasse comprar algo seguramente Ele diria.
Apenas seguiu.
O percurso entre Salvador e a Costa do Sauípe não demora mais que quarenta e cinco minutos. Eles rodavam a duas horas.
- Senhor, daqui para frente é Sauípe, é o Senhor quem tem que dizer para onde vamos.
- Por favor, Jezebel, siga em frente.
- Então não saímos da estrada, Senhor.
- Se “em frente” for sair da estrada, saia, do contrário, se “em frente” for apenas seguir em frente, por favor, não saia da estrada.
Nesses momentos ela sentia um certo distanciamento Dele, mas não conseguia identificar se era por jogo ou algo natural a Ele.
Chegou a refletir se não estava diante de um psicopata que usava o termo Dominador. Nessas horas seu corpo tremia, sua mente mandava voltar, seus pensamentos viravam um caos.
No intimo, o cômodo vinha de sua tranqüilidade, segurança e total ausência de demonstração de não saber o que fazia.
Conversaram, brincaram, sorriram, mas ainda assim Ele parecia distante, ausente. Era como se a conexão Dele fosse - estivesse - em outra esfera.
Um homem que conseguia ler respiração, transpiração, olhar, gestos e até pensamentos. Isso era amedrontador. Ou será que ela quem somatizava tudo e dava-Lhe super poderes?
Ainda assim, se existiam super poderes, existiria algo que os anulasse. Uma fraqueza que fosse. Ela daria uma lasca de seu couro para saber qual era a criptonita daquele super homem, ou qual a identidade secreta daquele Batman.
- Por favor, diminua, Jezebel.
Ela fora tirada de seus pensamentos.
- Encoste à direita.
Era uma sequencia de algumas muitas lojas á beira da estrada, o estilo era de cidadezinha de uma rua só, design impecável, cores sem igual e algumas com bambus em suas portas.
Segundo a crença local o bambu limpa o espírito.
Ela estacionou, sem falar nada Ele desceu de um salto. Andou até a loja de número dois, entrou, saiu, entrou na de número quatro, saiu, entrou na cinco e saiu. Como em todas, com sacolas.
Pelo tempo que permaneceu, tudo estava separado e pronto. Não daria tempo nem mesmo de pagar.
Quando voltava para o carro, todas as lojas estavam com vendedoras em suas portas. Elas olhavam para Jezebel com curiosidade e para Aquele homem com uma certa intimidade. Ou seria desejo? Alegria por terem vendido uma boa quantia? Quem sabe não conta, quem conta é porque não sabe.
Jezebel, uma compulsiva por controle notou e não segurou a língua. – Elas vieram se despedir do Senhor.
- Sim, a elas não precisei ficar horas em chat, MSN e ligar com antecedência para tentar algo.
Bastou, Jezebel irrita-se e não consegue esconder.
- O Senhor é sempre tão seco, rígido e duro assim? Tem sempre uma resposta para tudo e nada o atinge? Tem emoção aí dentro? Ela estava vermelha, verde, rosa-manjericão e mais algumas cores do alfabeto.
Ele se ajeita na cadeira, olha para os lados, se despede da trupe, olha para a frente e como se nada houvesse acontecido manda Jezebel seguir.
- Segue, mulher que teu tempo é minha hora.
A submissa engole a seco, indigna-se ainda mais, porém recobra o centro e segue sem questionar.
Não percebe-se como, mas aquele homem tinha grande poder de persuasão sobre Jezebel. Nem mesmo ela se dava conta disso e talvez esse descuido podia lhe sair caro mais a frente.

Dez minutos se passaram sem que as palavras fossem verbalizadas.
Jezebel sentia próximo seu destino.
Dom Demétrius olhava para o nada, vez e outra sorria visivelmente e isso intrigava Jezebel, mas o que fazer? Perguntar? O Dom havia se mostrado intolerante a perguntas e rápido nas respostas ferinas. Melhor apenas pensar. Melhor apenas morrer de tanto pensar.
O sol era um algoz e mesmo com ar condicionado sua força se fazia presente.

- Por favor, entre no próximo condomínio, Jezebel.
- A direita ou a esquerda, Senhor.
- No próximo, independendo do lado que esteja esse próximo. Aparentemente a resposta pararia por ali, mas Ele rigidamente e visivelmente irritado seguiu: - Quando desenvolverá o entendimento de que obedecer é somente obedecer? Quem comanda dificilmente dá menos informação do que o necessário. Cabe ao comandado entender que é só obedecer, seu papel é aquele.
- Eu entendo Senhor, mas estou dirigindo e preciso me preparar caso a entrada seja do outro lado.
- Oras, sábia, astuta, perspicaz e inteligente submissa (fala com ironia), sendo eu o comandante, não seria comum, se fosse do outro lado, o comando ser “se prepare para entrar do outro lado”, Jezebel?
- Sim, Senhor. O Senhor tem razão.
- Acredite, queria não tê-la. E o condomínio acabou de passar. Ele diz sorrindo. Ela desespera, enfia o pé no freio e grita. – Aí meu Deus!
Ele cai na gargalhada - A primeira de muitas - diante da confusão mental e erros tão crassos daquela mulher que distante Dele dificilmente erra e nunca admite o erro alheio. Ela se contagia e sorri também, mas logo cai em choro compulsivo.
- Calma Jezebel, eu sei que está emocionada por estar aqui.
- Não Senhor, estou nervosa, sem saber o que fazer e menos ainda sem saber o que vai acontecer. Ela fala sem parar nem mesmo para respirar. – Sempre reclamei das submissas que vão sem planejar e eu estou fazendo o mesmo. Não avisei a ninguém do meio que vinha, cancelei compromissos importantes e estou a Sua mercê. Me comporto feito adolescente, erro qual mulher burra e sinceramente me desconheço. Ele a abraça, ela chora ainda mais.
- Jezebel... Entendo o que diz e concordo com tudo. A solta e olha dentro de seus olhos. – Por outro lado, se fosse diferente não seria. O que faz agora é pagar o preço por estar comigo. Ou paga ou não está.
Posso matá-la? Sem dúvidas que posso, mas que graça teria? Se posso vira-la do avesso, por que tiraria seu sopro de vida?
Vem comigo, relaxa, vamos rir um monte e sofrer um monte que a vida é feita disso. Uma gota de felicidade para cada três temporais de algo que entendemos e interpretamos como infelicidade. E quer saber da melhor? Adoramos tudo isso! História alegre não vira Best Seller se não tiver muito sofrimento no meio. Vem comigo e aprenda a fazer milagres. Mutar sem vergonhice em filosofia de vida.
Ela cai na gargalhada e completa: - Louca! Eu sou louca! Quero isso!!! Muito! Quero!
Ele sorri e pede para que ela dê ré até a entrada do condomínio.
Uns vinte metros para trás e eles estão na cancela. O segurança, estranhamente, não olha para o motorista e sim para o carona e a um manear de cabeça, abre a cancela sem titubear.
Jezebel estava pronta para pegar documentos, dar espaço para o segurança falar com o Senhor e se perdeu ao ver a facilidade e sincronismo de tudo. O carro sai trôpego. Ambos riem.
Já um pouco acostumada com aquele Senhor, ela segue em frente. Rindo explica muito mais pensando em voz alta que realmente explicando.
- Jezebel, nada foi dito, logo siga em frente. Um comandante nunca fala demais, se nada foi dito, siga em frente, Jezebel.
Ele sorri e alegremente a trata feito um cão. – Muito bem, Jezebel, muito bem! Viu como meia dúzia de broncas curam até o mais doente dos dementes?
Ele fecha o rosto. – Esperava uma piada onde ambos fossemos rir. Tentou puxar o humor para o seu lado.
- Sempre espere piadas em que Eu ria, Jezebel. A próxima rua a direita, a última casa, por favor.
Ela não falou nada.
O condomínio tinha apenas três ruas. A de entrada, uma a direita, outra a esquerda. Parecia um T e ao final de cada rua havia uma praça tão grande e bela quanto as casas.
O condomínio parecia vazio.
Um luxo só.
Umas vinte casas imensas no estilo Ville Du Florence Vitoriana, sem cercas em suas varandas, com vasto jardim a sua frente. Pé direito duplo, colunas largas, muito vidro e as poucas cores que surgiam eram claras, quando muito pastéis. A pintura não parecia pintura. Tudo era muito natural. Coisa de outro mundo.
Um luxo de impressionar e ofuscar qualquer tentativa de qualquer outra investida que não fosse tão imponente quanto.
Na rua solicitada as casas eram ainda maiores, mais largas. Estava claro que aquela rua era do crème de la crème daquele local.
Jezebel, sempre acostumada ao luxo, não se impressionaria, mas impressionou. Não tinha como ser diferente. Não comentou uma só palavra, mas seus olhos brilhavam diante de algo tão imponente.
A última casa daquela rua seguia o padrão das outras, mas de alguma forma parecia maior, parecia mais imponente. Combinação de cores? Adornos? Posição?
Na frente dela havia um terreno vazio, por isso era a última.
Quando ela ia subir a rampa que dava acesso a enorme porta principal a garagem se abriu. Ela não fez nada, Ele não fez nada. A garagem se abriu.
Ela olhou para Ele e diante de uma confirmação com a cabeça entrou.
O corredor era largo, suas paredes feitas com cerca viva. Tão verde, tão brilhante que inibia. O perfume daquelas flores invadiam mesmo com o carro totalmente fechado. A cada rolar de rodas ela sentia que entrava em um outro universo.
Cento e oitenta e dois metros lineares de muro, de casa. Algo pouco visto.
Ao final, um espaço ainda maior. Uma mistura de jardim, campo, espaço livre. Difícil explicar, difícil entender.
Ele desce rápido e pede para ela descer. Quando ela ia pegar a bolsa Ele diz que nada do que está ali ela precisará. Óbvio que ela pensa no telefone, mas nada diz.
- Vem.
Dito isso Ele passa para o corredor oposto da casa. Largo, muito largo para pessoas, mas pequeno para passar um carro como o dela. Outra cerca viva, outra espécie de planta, verde do piso às paredes.
Alguns muitos passos e Ele pára de frente para uma porta enorme no tamanho, altura e largura. Um vidro amarelado, côncavo, diferente.
- Quer entrar Jezebel? Ele pergunta olhando-a. Ela apenas move a cabeça em confirmação. Ele não faz nada e a porta se abre.
Mesmo de cabeça baixa ela notou que não foi Ele a abrir a porta, ao levantar a cabeça não viu quem podia ser. Entendeu que não estavam sozinhos.
O que estava por trás da porta era um corredor de teto arredondado, ricamente ilustrado e que assemelhava-se ao teto de igrejas.
Quando houve a total abertura da porta uma forte energia saiu dali. Ela não sentiu somente o vento a mexer em seus cabelos, pareciam fantasmas a lhe averiguar todo o corpo. Sua espinha gelou, seus olhos ficaram turvos, sua lente quase perde o contato. Arrepio!
As paredes eram altas, um pedaço de madeira, outro de cimento rústico. Um pedaço com quadros assustadoramente lindos, impressionistas que mostravam a dor, cenas de uso de escravos, de pessoas, de coisas e animais. O bizarro estava ali, mas mostrado de uma forma tão artística que não causava nojo, asco. Incitava o prazer. Outro pedaço com armaduras de várias épocas, estilos, partes do mundo, espadas de todos os argumentos já existentes, todas com marcas de luta, restos escuros que podiam ser sangue. Acessórios que ela nunca vira. Facas com marcas visíveis de uso, cordas que já foram claras, mas estavam escuras. Coisas, muitas coisas.
Ela tremeu. Congelou. Não sabia o que responder. Aquele lugar entrara nela e a atordoava mais que ópio. Sua coluna estava rígida, uma tremedeira nunca sentida antes. Jezebel sempre buscou cenas em que fosse subjugada e, até então, só achava aquelas em que encenava por fora e duvidava, até mesmo de si, por dentro.
Diante de sua estatuação Ele quebra o gelo. Voz calma, Ele já não era mais a mesmo, seu olhar era negro, seus cabelos voavam mesmo sem vento. Ele não pisava no chão. Estava mais alto do que já era, seu brilho era uma capa de segurança surreal e ar de algo ainda não visto.
- Olha... não precisa entrar. Aqui pode ser o lugar onde nascerá, mas o nascimento implica em morte, então é o lugar que também morrerá.
Não posso obrigá-la a entrar, o primeiro passo deve ser seu, mas uma vez que pise nesse corredor, estará autorizando-me a usá-la como quiser.
Lá dentro o certo e o errado o são segundo conceitos meus e podem ser manipulados segundo minha vontade.
O corredor é longo, a vida é curta e, se eu estivesse no seu lugar, sinceramente, não entraria.
E aí, Jezebel, vai voltar e passar o resto da vida pensando em como poderia ser se entrasse ou vai entrar e enfrentar seus monstros, seus bichos, seus primais?
Eu não entraria. Não mesmo.
Sua voz oscilava de uma forma que parecia o canto de uma sereia, o vibrar de uma gueixa, o gargalhar de uma pomba-gira, o tilintar compulsivo de um vampiro.
Ela era toda pavor. Se olhasse para Ele via seu pavor refletido em Seus olhos. Se olhasse para o corredor algo a seduzia, chamava e ao mesmo tempo implorava para ela não entrar. Ela sentia presenças ali. Pensou em morte, sua mente se permitiu viajar. Foram necessários apenas - e somente - alguns poucos segundos para ela juntar todas as peças do quebra-cabeça. A chegada, o jeito soturno, o ar de psicopata, as respostas tão precisas e rápidas, mas breves, o farto conhecimento acerca do caminho, a aparente intimidade com as meninas das lojas, o mistério natural. Sim, Ele era um psicopata rico e poderoso. Ela não sairia viva dali!
Claro, entrar seria loucura, mas não entrar poderia ser algo sem sentido, afinal Ele estava ali, ela estava ali.

De um salto lembrou que, mesmo Ele sendo conhecido no meio ninguém que o serviu estava no meio para contar a história. Será que Ele as matava?
Jezebel era um liquidificador de pensamentos, a porta era uma árvore com frutos maduros, belos e aparentemente saborosos, mas alta e com uma visível e incontestável placa em neon: Pegue, mas pague o preço.
Só que em nenhum lugar estava escrito qual era o preço.
A frente dela um Mercador astuto que não dava margens para muitas negociações, tinha um sorriso de carrasco, o mesmo que sempre usa um capuz tão grande que não conseguimos ver seu sorriso, apenas sentimos. Um algoz sem alma e disposto a tudo por 48 horas de jogo, um viciado, compulsivo.
Será que Ele saberia a hora de parar? Será que existia a intenção de parar?
Sua mente tinha dores de tanto pensar.
Mas será que Ele esperaria todo esse pensar?
Filmes passavam, perguntas surgiam sem respostas e Ele, a sua frente esperava uma posição dela.
- Jezebel? Ele a chama de volta aquele momento.
Ela não respondeu, mas olhou-O dentro dos olhos.
- Esta sol, a hora passa e eu não ficarei todo o final de tarde aqui. Não a obrigo a entrar, mas precisa decidir se entra ou sai.

Jezebel o olhou, uma lágrima escorre de seu rosto. Não foram duas. Somente uma desceu. Visivelmente percorreu seu rosto. Da maça ao queixo. Com uma força incomum a gota de lágrima caiu em seu busto, molhou seu vestido. Ela abaixou a cabeça.



(continua na próxima semana?)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Dom Demétrius e Jezebel - A insubmissa [Parte 001]

Dom Demétrius e Jezebel - A insubmissa

Antes precisamos entender como tudo começou...

Havia um mês que se falavam. A ousada submissa o abordou em uma sala de chat. Sua liturgia era impecável, suas falas – precisas! – e sua postura fascinavam até o menos litúrgico dos Dons.
Na primeira semana ela foi com tudo para cima de Dom Demétrius, enviou todos os dados possíveis, cabíveis e até os inimagináveis.
Ele não precisou pedir nada. Ela, sabedora de suas funções, fez tudo como leu – e mandou – seu figurino. Dentro dos conformes, como diriam no passado.
Para ele foi bom, pois seu trabalho resumiu-se a observar.
Na primeira semana ela foi com tudo para cima do Dom, apresentou seus poucos limites, sua disponibilidade e a lista de Dominadores que já serviu, o motivo da dispensa e quanto tempo passou sem um e outro.
Seus dados eram precisos, seu português irrepreensível, seus e-mails? De muitas páginas. Suas observações, embora coerentes, sempre cercada de preconceito e julgo. Ela era a melhor em tudo. Seu respeitado cargo público não deixava margens para argumentações, afinal quando entrou eram quatro mil candidatos para uma vaga. Ela passou em primeiro, sozinha. 89 pontos quando o segundo melhor colocado conseguira 72. Ela lembra, e fala em qualquer oportunidade, disso até hoje. Conhecia o sujeito. Um fraco de físico que concentrou todas as suas forças no intelecto. Esqueceu do emocional e era chacota por onde passava. Ela conhecia e sabia da história de todos. Afinal sua melhor persona era a de amiga do peito. Real, sincera e acolhedora confidente. Até porque se o problema fosse dinheiro ela resolvia independente do valor. Claro que, com jeitinho, falava a todos depois.
Na primeira semana ela foi com tudo para cima de Dom Demétrius.
Só não agendou jogo porque queria sentir-se mais desejada.
O caríssimo e experimentado Dominador não se mexia. E nem precisava, na primeira semana ela foi com tudo para cima do Dom! Ele não precisou fazer nada. Ainda assim, vez e outra, se assustava com alguns comportamentos e falas daquela mulher.
Louca? Desequilibrada? Demétrius preferia pensar que era uma pessoa de bem com a vida, calejada de tanto repetir padrões e por isso ia com tudo para cima de seus alvos-Dominantes.
Mas ele não cedeu. Como todo bom observador, apenas olhou, ouviu e – quando dava – sorriu.
Passado uma semana toda aquela impulsividade com total ausência de uma resposta a altura, em igual tom, passou. Senhor Dom Demétrius passou a ser chamado apenas de sr (assim, em minúscula e sem ponto. A mesma abreviação de risos na internet).
Mas ele gostava daquele perfil e acreditou que poderia se divertir bastante ao averiguar, in loco, o que aquela baiana tinha.

Era sexta-feira 13 e o telefone dela recebe uma mensagem às 10:23 da manhã: Estou no aeroporto de Salvador, por favor esteja disponível, na praça X, NºY, para me levar à Costa do Sauípe às 16 horas e ficar o final de semana lá comigo.

Se para desenhar o perfil dela precisei de uma página para o dele, preciso apenas de um espaço de linha: Sádico, Dominador, Libertino, Filho de puta com puto.
E não necessariamente nessa ordem. A que o leitor desejar, Lhe cairá bem, afinal o mundo tem poucos Demétrius e menos ainda com um perfil tão diretamente desenha. Nanquim com sangue e bico de pena.
Ela recebeu a mensagem, se assustou. Não soube o que fazer, ligou para todas as submissas num raio de dez milhões de quilômetros. Com elas, o chamou de louco, disse que não responderia, mas ao acabar de falar com a submissa de número 321, ligou para Ele.
Claro, Ele nem deu bola para o celular. Estava ligado, ela ligava compulsivamente, Ele via todas as ligações, mas não atendeu nenhuma. Ria por dentro ao ver o desespero daquele rato de laboratório em um labirinto de papelão. Explorava todos os cantos em busca de um saída. Naquele exercício não havia cheiro de queijo, circulação de ar, piso com textura diferenciada. Era tudo tão igual que o diferente não seria notado. Não ali, não com Ele.
Ela ainda chegou a ligar para alguns Dominadores afim de pedir orientação, nenhum, ao saber que se tratava de Dom Demétrius quis dar opinião. Salvo um. Dom Deméntius. Ele desequilibradamente não temia (leia-se respeitava) ninguém e não precisou ouvir toda a história para, cuspindo ao falar compulsivamente, soltar seu julgo padrão:
- Uma porra que Dominador manda mensagem de celular para submissa sem marcar jogo! É um corno! Deve ser mais um desses brochas do meio que não tem disposição para arrumar mulher e fica comendo submissa. Olha: não vai! Deixa esse viadinho esperando para ele ver que é você quem manda, minha filha. Se ao menos fosse eu, vai lá, porra! Mas esse bostinha do Demétrius é um brocha mesmo. Quer ir, vai, mas se prepara que ouvi dizer que ele nem trepar trepa! A esposa – ela interrompe perguntando se Demétrius é casado, pois ouvira dizer que não e ele segue se contradizendo – Se é casado eu não sei, sei que é corno. E manso! Sei não, mas até ouvi dizer que ele gosta de pegar em pau de submisso... Sei não...
A submissa desligou consciente de que Deméntius era muito bom para passar informação, mas nem sempre sabia do que falava.

Às 16 horas ela estava nervosa, aflita, desesperada. Não houve tempo de se arrumar, não houve tempo de se maquiar. Ela foi. Jeans, camiseta e sem mala. O intuito era conversar com Dom Demétrius e combinar uma outra data, falavam a um mês, mas nunca haviam se visto. Nem por cam. Como ela o reconheceria?
Durante todo o percurso tentou, em vão, ligar para Ele. Pensou em desistir mil vezes, pensou em não ir. Mas algo dentro de si, talvez a postura tão segura que Ele empregava, a fez ir.
Estacionou, milagrosamente, em frente ao citado número. Um dos melhores restaurantes da fina flor soteropolitana.
Ficou parada na frente do restaurante, ligou. Ligou de novo, até que um homem de tez clara, alto, bem vestido, barba capitão do mar, bate seguida e suavemente, assustando-a, no vidro da porta do carona de seu carro. Era Ele?
Ela não tinha como saber, mas suas pernas sim. Tremiam.
Ela destravou a porta e Ele entrou de um salto. Ela saltou. Seu coração disparou, o suor, algo que lhe era raro, verteu qual rio, sua maquiagem pouca virou uma sufocante máscara, ela não sabia o que dizer.
Aquele homem de olhar maduro, seguro e fixo a olhou dentro dos olhos como quem procura algo, como quem entra para procurar algo. Ela não conseguiu falar, Ele não precisou falar.
Ao sorrir seus dentes eram alinhados, amarelados pelo uso de cigarro, charuto e vinho.
- Siga, por favor, Jezebel.
Era seu nome verdadeiro. Ela nunca havia dado-o a ninguém do meio. Não gostava dele.
Se assustou e mil coisas passaram em sua mente naquele instante. Alguns pouco segundos são mais que suficientes para que horas passem qual uma tsunami em nossas mentes.
Mesmo trêmula a experiente submissa conseguiu forças para iniciar um diálogo sem sair do lugar.
- Senhor, por favor, podemos falar antes? É que eu tenh..
Antes dela acabar de falar, Ele interrompe. Sua voz era grave, mas harmoniosa, seu ritmo tinha a mescla de um canto gregoriano com ópera rock. Algo incomum e difícil de visualizar, mas encantador ao ouvir. Basta uma canção para a paixão fluir e o vicio de querer ouvir se instalar.
- Por favor, siga, Jezebel.
Ela olhou dentro de seus olhos, queria bufar, gritar e até surtar, mas sua resposta com o olhar firme e sereno a fez voltar-se para a frente, girar a chave do carro, engatar a primeira e se atrapalhar na simples manobra de sair da vaga. Quase bateu no carro a sua frente, no que estava em sua traseira no que vinha pela rua. Uma fatídica sequência de erros que demonstravam o tamanho de seu nervosismo. Ele não se abalou, nada comentou.
Sentou como um arrogante Rei senta em seu imponente trono, olhou para a frente e como se nada, além Dele, existisse.
Dez minutos em silêncio. Os pensamentos da submissa rodavam qual banana, leite e aveia em liquidificador de lanchonete. Não dava para ver nada, ouvia-se um ensurdecedor barulho e o que antes eram ingredientes isolados passavam pela mutação da alta rotação e viravam um só. Uma vitamina densa, revigorante e poderosa.
Aquela mulher de fala farta nunca teve dúvidas de que poderia falar por até dez horas ininterruptamente, já o fizera em treinamento, o que jamais havia imaginado era que conseguiria ficar calada por dez minutos. E ficou. Tensa, apreensiva, suando, tremendo, dirigindo sem nenhuma habilidade, colocando a vida de todos em risco, mas... ao fim, se sentia morta, morrendo.
Não agüentou o silêncio e, tocando um botão de seu moderno carro, ligou o rádio. Media forças? Testava limites? Quem sabe?
Dom Demétrius não falou uma só palavra e a música seguiu por mais dez minutos.
Num repente a submissa pergunta com voz embargada vinda de uma garganta seca: - O Senhor quer que eu troque de estação, Senhor?
Ele não a olha, sorri e sorrindo, mas firme, mas com a mesma voz de encantador de serpente (que são surdas) ele responde secamente: - Jezebel... não me pediu para ligar, por que tem que me pedir para controlar? O ligar, sem pedir, já foi uma forma de pegar o controle para si, afinal se eu quisesse rádio, o teria ligado, vi onde estão os botões.
Ela tremeu. Não entendeu se aquele leve sorriso de canto de boca era ironia, sarcasmo, grosseria ou Dominação. Ou tudo. Ela tremeu toda.
Não soube o que responder, se enfureceu, ficou vermelha e quando movimentou o braço para desligar o rádio pensou. Refletiu, congelou e, sem saber o que fazer, pediu desculpas com uma voz quase inaudível.
- Desculpe
- Desculpe, Jezebel, eu não entendi. Pode repetir, por favor?
Ele era de uma educação pouco vista, sua fala saía natural, firme e em cadência de quem não fazia posse, aquele era o seu natural.
- Desculpe, Senhor.
Ela abaixa a cabeça, fixa nas ruas e segue.
Ele responde sorridente e relaxado como quem quer dar colo.
- Relaxa, Jê, o clima está chato mesmo. Um calor infernal, não falamos nada e o rádio ajuda a descontrair.
Ela não comprou, mas ainda assim não se segurou:
- Quer que eu desligue o rádio, Senhor?
- Eu prefiro, afinal ouvir seus pensamentos é melhor que qualquer música.
No íntimo, ela sentiu-se invadida. Tremeu e percebeu que estava ao lado de um jogador à altura. Precisava rever as estratégias.
O rádio não foi desligado. Ele não cobrou, ela entrou em si e deixou tudo que estava fora, ficar fora.
Não agüentou ficar lá dentro mais que dois minutos. Voltou como quem volta do caminho da morte: Com uma forte puxada de ar.
- Senhor! Estamos andando em círculos, podemos conversar?
- Estamos sim, sobre o que quer falar, submissa?
O ser chamada de submissa a remete à sua condição. A esquecida quando recebeu o título de super-sub. Deixou de ser submissa para ser a mentora de um bando de ienas que riam sem saber porque.
Ela pensou, ficou um pequeno tempo olhando o trânsito, agindo como quem busca uma rua que está próxima.
- Eu, infelizmente, não tenho controle sobre a minha vida, Senhor. Não trouxe mala, não consegui organizar a minha vida para estar com o Senhor por todo o final de semana. Se o Senhor não se importar, podemos parar em algum lugar e conversar um pouco e depois eu ir para casa?
- Me importo sim, Jezebel. Você, em seu terceiro mail, falou que estava disposta, disponível e à disposição para me servir.
Quando Ele deu uma pausa para respirar, ela pegou o gancho e fez retórica.
- Sim, eu estava Senhor, mas é preciso
Antes que ela acabasse, sereno e muito firme Ele interrompe.
- Quem disse que acabei e a deixei falar? Por favor, eu falo. Quando for a sua vez, aviso. Obrigado!
Suas frases sempre findavam em “por favor”, “obrigado”, “pois não”. Dificilmente de outra forma.
Vendo-a sem ação, Ele continuou.
- Veja, Jezebel, eu não brinco de Dominar. Por uma semana, me infernizou se ofertando, quando perguntei por sua disponibilidade, disse que era senhora de sua vida, ainda sorriu ao dizer que era submissa por opção, pois a vida havia lhe dado total condições de ser uma bela e independente Dominadora.
Depois de uma semana, vendo que eu não correspondia tanto deu uma esfriada, abriu mão da mulher arrogante que se apresentava como submissa e veio como submissa e mulher.
A vi ali e aqui estou. Ou honre o que foi dito durante um mês em longos e-mails ou encosta na próxima esquina que eu descerei.
Não há um outro caminho, ou está a meu serviço e comigo vem, ou está a seu serviço e sozinha vai.
Ele estava sério, seu olhar a olhava fixamente.
A esquina chegou, o carro não parou e diante de seu olhar em aguardo de resposta, ela abre a boca para falar. A voz era de uma mulher decidida, irritada, visivelmente frustrada por haver perdido o controle da situação.
- Mas Senhor, minha vida particular é importante. Eu tenho meus compromissos, não trouxe mala.
- Mas submissa, isso aqui não é uma empresa de patrocínio em que se escolhe até onde e como ir, ou entra com tudo, ou não me interessa estar em partes. Sendo a poderosa que se diz ser, tem o poder de cancelar qualquer compromisso em nome de um final de semana comigo. A mala é dispensável por dois motivos. 1. Podemos comprar o que for necessário no caminho, 2. Só um louco pinta um diamante. Vestir uma submissa é fazer exatamente isso, logo ficará a maior parte do tempo nua.
Reflita, Jezebel. Eu sinceramente não iria, afinal realmente não trouxe mala... Tem seus compromissos... Tem uma vida particular... Eu, educadamente, me pediria para descer e seguiria meu caminho, afinal o que se perde se ficar? Se for, o que se ganha?
Ele faz jogos com a cabeça, mas seu corpo fica fixo à cadeira do carona. No fundo Ele parecia se divertir com aquilo tudo. No fundo Ele sabia que o jogo, que antes era dela, aos poucos, se tornava Dele. Ambos sabiam que alguém poderia perder, que ambos poderiam ganhar e que aquele não era um jogo de jogatina onde um perde e outro ganha, era um jogo intelectual onde não havia perdedores e, independente da cartada, ambos sairiam mais ricos do que quando entraram.
Jezebel só respirava fundo, só pensava. Mesmo com o ar condicionado do carro a 15° sua mente fervia, seu corpo era uma fornalha de 1300°, a mesma temperatura necessária para fazer a espada de um samurai dobrando um bloco de ferro mil vezes.
Pensou, pensou e como Ele não disse nada ela respira fundo e fala como quem pensa sozinha.
- Vamos lá! Eu encaro! Tem que ser assim?! Eu encaro! Eu vou! Seja o que Deus quiser! Não tem como ser tão ruim assim! Eu quero, eu vou! Pronto! Tá decidido! Eu vou! Eu Vou!
Ela dispara e não percebe que se descontrola ao dizer a si mesma o que tem que ser feito. Só não percebe que aquele sereno Senhor, ao seu lado, é quem controla tudo, até seus atos mais impensados.
Ele a olha, ela se toca que está em aparente descontrole. Envergonha-se, respira e sorri com timidez. Ele estava dentro. A partir dali podia configurar, desconfigurar, reconfigurar e fazer o que mais quisesse. Pensariam outros.
Ao retomar o controle de si, ela pergunta como quem nunca surtou. Serena, controlada, segura.
- Para onde vamos, Senhor?
Ele ignora o surto, não diz absolutamente nada sobre ele e responde olhando para a frente.
- Por favor, Jezebel, para a Costa do Sauipe.
- O Senhor se importa se eu for fazendo algumas ligações para cancelar alguns compromissos
- E se eu me importar?
Ela fica constrangida, mas responde sem titubear
- Olha, Senhor, eu preciso avisar o povo que contava comigo para fazer algumas coisas.
- Se precisa ligar, é indiferente eu me importar ou não, submissa.
- Me desculpe, mas para mim não é bem assim. Se o Senhor se importar eu ligo mais tarde, ligo do hotel, sei lá.
Ela não completa sua frase e Ele interrompe com uma pergunta que a desconserta.
- Quem disse que vamos a um hotel?
Ela gelou ao perceber que havia perdido o controle mais uma vez. Aquela mão foi Dele. A mesa estava a favor Dele e sua boca era maior que seu cartão de crédito. Algo realmente descontrolado.
Não houve resposta externa, internamente ela fervia. Sentia raiva mesmo. A serenidade daquele homem beirava a indiferença e isso causava um estranho distanciamento. Ela se via no dia-a-dia com a mesma postura e ao mesmo tempo que aquilo a fascinava, pois em seu entendimento aquilo é segurança e poder, a afastava uma vez que frieza era sinônimo de rejeição.
Tudo que ela alcançou na vida foi justamente para evitar a rejeição. Ela precisava se sentir acolhida, necessária, fundamental, base e se dizia básica. Não era. Já vimos que não era.
Entre indignação e adoração ela seguiu muda. Com raiva, mas muda.
Ele não perguntou duas vezes.
O rádio perdeu sintonia, o carro seguiu pela estrada, eles estavam ali.
Ela desligou o rádio, Ele o ligou de novo.
- Vamos ver que tipo de CD fica pronto em sua cedezeira.
Mexeu para lá, mexeu para cá. Parecia bem familiarizado com os controles do rádio.
Entrou um CD de Axémusic, Ele a olhou dentro dos olhos, ela não entendeu se o olhar foi de aprovação ou reprovação.
Mudou-se o CD antes dos acordes iniciais e os gritos de “Saí do chão”.
O segundo CD era do Chico Buarque. Ao que parece Ele conhecia o CD e disse indo direto a música de número 13.
- Esse é o seu hino nesse final de semana.
A música era Geni e o Zeppelin



- Sim, Senhor.
Sua voz era de quem não estava gostando da brincadeira, havia um “q” de falta de estímulo e um ar de tédio.
Perde-se o prazer pelo jogo? Quando só se perde, sim.
A música entrou como uma faca, mas o efeito foi revigorante. Ao mesmo tempo que a música tocava Ele puxava seu vestido e fazia um bailar de dedos em suas bem tratadas, torneadas, sedosas coxas. Ela teve um misto de tesão e alegria. Seus dedos, apesar de grandes, bailavam qual criança na chuva. A letra não importou, o bailado agradou.
Até o segundo refrão.

Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni
Maldita Geni pra qualquer um, maldita Geni.

Nessa hora Ele pausou o rádio e sorridente soltou a pergunta:

- Quantas vezes, em sua vida, Jezebel, já foi Geni? Quantas vezes foi escolhida mesmo sendo a pior entre as piores?
Ela silencia. Não queria responder, queria pensar. Ele segue fomentando a fornalha de suas lembranças.
- Quantas vezes foi taxada de puta quando ainda era virgem? Quantas pedradas levou por estar em seu canto, Jezebel?
Sua cabeça se abaixa, seu coração dispara e a alegria de antes dá lugar a um pesar. O tempo, mesmo ensolarado, fica cinza dentro de si. Não há sol que faça aqueles dias serem de luz.
Ele repete as mesmas perguntas. Ela olha para a estrada, ele olha no canto de seu olho direito, ela esfria. Não segura e chora.
Se assumiu Geni. Aceitou as pedras, assumiu ter prazer no guerreiro tão vistoso, tão temido e poderoso que era dela prisioneiro. Será que ela, com todos os seus segredos tão seus, teria seus caprichos?
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ele a olhava, pedindo para estacionar o carro, incentivava seu choro. – Bota para fora que não se chora para dentro!
E ela estacionou, e seu mundo desabou qual rio em chuva de verão, são as águas de março...
Quando o choro diminuiu Ele a olhou dentro dos olhos, sem mover muitos músculos aumentou o rádio e a beijou.


Um beijo apaixonado, intenso, vivo. Suas bocas molharam, seus corpos suaram. Sinos? E porque não? Aquela mulher fresqueou ao sentir a boca de um homem buscando a sua. Palmas grandes, dedos longos e força! Seus cabelos recebiam um misto de massagem e puxões, seu cérebro interpretava aquilo como carinho e liberada adrenalina para o corpo. O mundo girava. A outra mão do homem reconhecia o corpo que seria seu, alisava, apertava. Do interno das coxas a nuca, passava pelos seios. Acredito que o sutien de bojo o desestimulou, pouco foi ali outras vezes naquelas gotas de eternidade. Ela visivelmente tremia diante daquele approach. O choro deu lugar a lágrimas de riso, ao ar de prazer que se fazia bailar em si.
Ambos se queriam, ambos se permitiam e ela achou o sentido de estar ali. Era Ele!
Tempos passados, tempos passando, o beijo finda com os olhares fixos em si. Se olhavam quando Ele quebrou a poesia do momento.
- Sendo eu um homem tão nobre, tão cheirando a brilho e a cobre, você vai preferir amar com os bichos, minha Geni?
Ela abaixou a cabeça. Estava totalmente tomada, absorta. Não entendia o que ele falava, não se entendia.
Ele olhou para o rádio, olhou para ela. Abaixou a música e ela entendeu.

A viagem seguiu para a Costa do Sauipe com ele alisando suas coxas e fazendo-a perder a direção por algumas vezes.
Vez e outra, ao ultrapassar um caminhoneiro, ele colocava seus seios à mostra e apertava a buzina para chamar a atenção. Seu carro era alto e não havia como o caminhoneiro ver, mas a buzina em resposta a deixava sem chão. Uma das coisas que havia dito é que não era exibicionista. Gostou do jogo, o acolheu, acatou sem pensar em aceitação.
Certa hora houve uma troca e o que antes eram os seios, passou a serem as coxas. Isso os caminhoneiros viam. Um ou outro aumentava a velocidade, colocando a vida de todos em risco, e os seguia por alguns metros mais.
Ela havia se libertado?
A conversa já era mais solta da parte dela, Ele perguntava amenidades sobre o meio, a vida comum, sobre as pessoas. Ela respondia cuidando do que falava, focando mais no que ouvia.
Vez e outra uma reprimenda. Ela estava com Ele tão dentro que aquilo já não incomodava tanto. Pesava, pois em se autodenominando experiente, uma reprimenda, ainda que por apresentação de conceitos equivocados era de um peso enorme. Sobretudo se acrescido do peso daquele Senhor.





(continua na próxima semana?)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A semente e a submissa

A semente e a submissa

- Ah! Uma semente, Senhor.

Uma semente! Será que ela será uma grande e frondosa árvore, Senhor?

Tão pequena, desprotegida e frágil essa semente, Senhor.

Vou escondê-la sob a terra, amado. Assim ela poderá se proteger de sol e chuva até crescer forte e ser uma respeitável árvore. Ah, vou...

Todos os dias passarei aqui para regá-la, todas as vezes jogarei mais um pouquinho de terra e a protegerei, Senhor. Assim como Senhor me protege.

Até então calado e admirando o amor de sua peça pela semente, o Senhor fala. Sorridente, mas sisudo. Firme, mas amável.

- Então vou dispensá-la, submissa. Se é assim que te cuido, não tem porque de estar comigo.

- Ah, Senhor, não me dispense. Preciso de ti. A frágil submissa de voz mansa mostra desespero, arregala os olhos e agarra nas pernas daquele que a abastece.

- Precisa de mim? Para que, mulher?! Para dar-lhe água em excesso e cobrir-lhe de terra? Não, submissa, a vida já faz isso o tempo todo. O que pensei que eu fizesse era, através de meu adestramento, te possibilitar um germinar de ideas, um crescer forte sem tanto medo da vida e um florescer consciente de que intempéries e outras mazelas a perturbarão, mas que, de modo algum, impedirão o seu crescimento.

Quando passo horas falando-lhe o intuito é incentivar o sair debaixo da terra de seus medos e, à luz do dia, refletir sobre seus fantasmas, se fortalecer com a força do sol; à luz da noite fazer fotossíntese de toda essa energia e iluminar seus sonhos com mais esperanças que pessimismos.

Quando faço sessões contigo, quero adorar seu corpo, vislumbrar uma mente que cresce apesar das podas, que vai além mesmo com as pragas e que se fortalece na ausência de um jardineiro, no excesso de urina dos boêmios, que sobrevive ao possibilitar vida a pássaros e outros que pesam em teus galhos.

Por favor, me desculpe se errei ao cercear pensando em expandir. Agora saia de minhas terras, por favor.

O Senhor falou isso, jogou-lhe um punhado de terra e saiu. Se afastou chorando ao constatar que estava jogando terra em uma semente quando sua proposta era de possibilitar um germinar livre.

A submissa se colocou em um saco de muda e foi para uma praça pública.

Szir GanoN
 SP17119